segunda-feira, 24 de maio de 2010

LENDAS SULRIOGRANDENSES

São denominadas LENDAS as narrativas bem localizadas  no tempo e no espaço, com personagens definidos que contenham um caráter mágico, sobrenatural e muitas vezes incluem divindades(Deus, Menino Jesus, Nossa Senhora)...estas manifestações folkloricas que eram passadas apenas por via oral foram objeto de estudo de muitos folkloristas e passaram para o livro para serem perpetuadas. Vou escrever algumas lendas, se bem que devem existir mais de 30 escritas.
Falando também que as lendas indígenas são as mais remotas no tempo , de quando o indígenas vivia no Rio Grande do Sul sem a presença  ou convivencia com o homem branco.

A LENDA DE MBOITATÁ

A MANEIRA COMO O PRIMITIVO GAÚCHO CONTAVA A HISTORIA DO FENÔMENO QUE É O FOGO FÁTUO.





palavras do dicionário gaúcho:
-téu-téu=quero-quero
-nhanduvai-árvore de lenha de muita resistência
- o mesmo que nhanduvá- usa-se tb para lenha
-sorro-manhoso, astuto
-minuano-vento frio e seco que sopra do sudoeste no inverno
-estrela d'alva-planeta vênus
-santa-fé-especie de capim
-tiriricas-erva daninha
-boiguaçu-cobra grande- do tupi guarani  -   -    mboi=cobra guaçú=grande
tapejara-alguem cohecedor dos caminhos de um determinado  lugarou de uma região, Palavra de origem tupi= tape"yara=aquele que toma o caminho
boitata- do tupi guarani, designa o fenomeno do fogo fátuo. tatá=fogo e mboi=cobra= mboitatá ou boitatá =cobra de fogo=fogo fátuo
pastiçal=lugar de pastagem farta
mãos de lua=dá-se á mão o significado de uma volta completa, neste caso o ciclo das quatro luas



A LENDA DO MBOITATÁ

Foi assim:
num tempo muito antigo, houve uma noite tão comprida, que parecia que nunca mais haveria luz do dia.

Noite escura como breu, sem lume no céu, sem vento, sem serenada e sem rumores, sem cheiro dos pastos maduros nem das flores da mataria...
Os homens viveram abichornados, na tristeza dura, e porque churrasco não havia, não mais sopravam labaredas nos fogões e passavam comendo canjica insossa, os borralhos estavam apagando e era preciso poupar os tições...
Os olhos andavam tão enfarados d anoite, que ficavam parados, horas e horas, olhando sem ver a sbrasas vermelhas do nhanduvai...as brasas somente, porque as faíscas, que alegram, não saltavam, por falta , por falta do sopro forte de bocas contentes....
Naquela escuridão fechada nenhum tapejara  seria capaz de cruzar pelos trilhos do campo, nenhum flete crioulo teria faro nem ouvido nem vista para bater na querência, até nem sorro daria no seu proprio rastro!

E a noite velha ia andando...ia andando....

Minto:

no meio do escuro e do silencio morto, de vez em quando , ora numa banda ora doutra, de vez em quando uma cantiga forte , de bicho vivente, furava o ar: era o téu-téu  ativo que não dormia desde o entrar do último sol e vigiava sempre, esperando a volta do sol novo, que devia vir e que tardava tanto já....

Só o téu-téu de vez em quando cantava o seu quero-quero! Tão claro, vindo de lá do fundo da escuridão, ia aguentando a esperança dos homens, dos amontoados no redor avermelhado das brasas.

Fora disto, tudo, tudo o mais era silencio; e de movimento  então , nem nada.

Minto:
na última tarde que houve sol, quando o sol ia descambando para o outro lado das coxilhas, rumo do minuano, e de onde sobe a estrela d"alva, nessa última tarde tambem desabou uma chuvarada tremenda; foi uma manga-d'agua que levou um tempão a cair, e durou...e durou....

Os campos foram inundados; as lagoas subiram em fitas coleando pelos tacuruzais e banhados, que se juntaram, todos, num: os passos cresceram e todo aquele peso d'agua correu para as sangas e das sangas para os arroios, que ficaram bufando, campo fora, campo fora, afogando as canhadas, batendo no lombo das coxilhas. E nessas coroas é que ficou sendo o paradouro da animalada, tudo misturado, no assombro. e eram terneiros e pumas, tourada e potrilhos, perdizes e guaraxains, tudo amigo, de puro medo. e então!....
Nas copas dos butiás vinham encostar-se bolos de formigas, cobras se enroscavam na enrediça dos aguapés; e nas estivas de santa-fé, e das tiriricas boiavam os ratões e outros miúdos.

E, como a água encheu as tocas, entrou também na cobra- grande, a boiguaçú -que havia já muitas mãos de lua   dormia  quieta, entanguida. Ela então acordou-se e saiu, rabeando.
Começou depois a mortandade dos bicho e boiguaçu pegou a comer carniças. Mas só comia os olhos e nada, nada mais.

A água foi baixando, a carniça foi cada vez mais engrossando, e a cada hora mais olhos a cobra-grande comia.

Cada bicho guarda no corpo o sumo que comeu.
A tambeira que só come trevo maduro dá no leite o cheiro doce do milho verde, o cerdo  que come carne de bagual nem vinte alqueires de mandioca o limpam bem, e o socó tristonho e o biguá matreiro até no sangue têm cheiro de pescado. Assim também, nos homens, que, até sem comer nada, dão nos olhos a cor de seus arrancos.
O homem de olhos limpos, é guapo e mão -aberta; cuidado com os vermelhos, mais cuidado com os amarelos, e toma tenencia  doble com os raiados e baços!....
Assim  foi  também, mas doutro jeito, com a boiguaçu, que tantos olhos comeu.

Todos-tantos, tantos! que a cobra-grande comeu-guardavam, entranhado e luzindo, um rastilho da última luz que eles viram do último sol, antes da noite grande que caiu....e os olhos- tantos tantos!-com um pingo de  luz de  cada um foram sendo  devorados; no princípio um punhado, ao depois uma porção, depois um bocadão, depois; como uma braçada....

e  vai.

como a boiguaçu não tinha pelos como o boi, nem escamas como o dourado, nem penas como o avestruz, nem casca como o tatu, nem couro grosso Como a anta, vai, o seu corpo foi ficando tranparente, clareado pelos miles de luzezinhas, dos tantos olhos que foram  esmagados dentro dele, deixando a cada qual  sua pequena réstia de luz.
e vai, afinal, a boiguaçu toda já era uma luzerna, um clarão sem chamas, já era um fogaréu azulado, de luz amarela e triste e fria, saída dos olhos, que fora guardada neles, quando ainda estavam vivos...

Foi  assim e foi por isso que os homens, quando pela primeira vez viram a boiguaçu  tão demudada, não a conheceram mais.Não conheceram e julgando que era outra , muito outra, chamam-na , desde então de BOITATÁ, cobra de fogo, boitatá, a boitatá!

e muitas vezes a boitatá rondou as rancherias, faminta, sempre que nem chimarrão. era então que o téu-téu cantava, como bombeiro.

e os homens, por curiosos, olhavam pasmados, para aquele grande corpo de serpente, tranparente, tatá- de fogo- que media mais braças que tres laços de conta e ia alumiando baçamente as carquejas...e depois, choravam.
choravam, desatinados do perigo, pois as suas lágrimas também guardavam tanta ou mais luz que só os olhos....  e a boitatá ainda cobiçava os olhos vivos dos homens, que já os das carniças a enfaravam.....

Mas, como dizia:
na escuridão só avultava o clarão baço do corpo da boitatá, e era por ela que o téu-téu cantava de vigia, em todos os flancos da noite.

Passado um tempo, a boitatá morreu, de pura fraqueza morreu, porque os olhos comidos encheram-lhe o corpo mas lhe não deram sustância, pois que sustância nao tem a luz que os olhos em si entranhada tiveram quando vivos....

Depois de rebolar-se rabiosa nos montes de carniça, sobre os couros pelados, sobre as carnes desfeitas, sobre as cabelamas soltas, sobre as ossamentas desparramadas, o corpo dela desmanchou-se, também como cousa da terra, que se estraga de vez.

e foi então que a luz que estava presa se desatou por aí.
e até pareceu cousa mandada: o sol apareceu de novo!

Minto:

apareceu, sim, mas não veio de supetão.
primeiro foi-se adelgaçando o negrume, foram despontando as estrelas, e estas se foram sumindo no colorado do céu; depois foi foi sendo mais claro, mais claro, mais claro, e logo, lonjura , começou a subir uma lista de luz....

depois a metade de uma cambota de fogo....e já foi o sol que subiu, subiu, subiu, até vir a pino e descambar como dantes, e desta feita, para igualar o dia e a noite, em metades, para sempre.

tudo o que morre no mundo se junta à semente de onde nasceu, para nascer de novo; só a luz da boitatá ficou sozinha, nunca mais se juntou com a outra luz de que saiu.
Anda sempre arisca e só, nos lugares onde quanta mais carniça houve, mais se infesta. e no inverno, de entanguida, não aparece e dorme, talvez entocada.
Mas no verão , depois da quentura dos mormaços, começa estão o seu fadário.
a boitatá toda enroscada, como uma bola-tatá, de fogo! começa a correr pelo campo, coxilha abaixo, lomba acima, até que horas da noite!
é um fogo amarelo e azulado, que não queima a macega seca nem aquenta  água dos mananciais, e rola, gira, corre, corcoveia,  e se despenca e arrebenta-se  apagado....e quando um menos espera aparece, outra vez, do mesmo jeito.

Quem encontra a boitatá pode até ficar cego...quando alguém topa com ela só tem dois meios de se livrar: ou ficar parado, muito quieto, de olhos fechados, apertados e sem respirar até ir-se ela embora, ou , se anda a cavalo, desenrodilhar o laço, fazer uma armada grande e atirar-lhe em cima, e tocar a galope, trazendo o laço de arrasto, todo solto, até a ilhapa!

a boitatá vem acompanhando o ferro da argola...mas de repente, batendo numa macega, toda se desmancha, e vai, esfarinhando a luz, para emulitar-se de novo, com vagar, na aragem que ajuda.

Campeiro precatado! reponte o seu gado da querência da boitatá: o pastiçal, aí, faz peste....
Tenho visto!

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